segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O Caminho das Tropas

O Caminho das Tropas

Lenta e cadenciadamente ia a tropa pelos Caminhos do Paraná. O percurso era longo, iniciando-se em Viamão no Rio Grande do Sul, em direção a Sorocaba, em São Paulo.

A cada pouso, as cidades floresciam como contas de um colar. A caminhada era favorecida pela topografia e baixa vegetação, características da formação arenítica Furnas.

Assim, surgiram no Paraná: Rio Negro, Campo do Tenente, Lapa, Porto Amazonas, Palmeira, Ponta Grossa, Castro, Piraí do Sul, Jaguariaíva, Sengés,...
Nas bruacas sustentadas pela cangalha das mulas, acomodavam-se o charque, as panelas, a chocolateira... No coração a lembrança da terra distante, e na índole, o espírito de aventura, prenunciadas pelo som dos berrantes.
Assim foi o tropeirismo, um ciclo econômico acontecido nos séculos XVIII e XIX e que marcou profundamente a história, a tradição e os costumes do homem paranaense.

O Próximo pouso... Rio Negro
A história de Rio Negro confunde-se com a da "Estrada da Mata", ou melhor, da "picada" usada pelos tropeiros que conduziam o gado de Viamão a Sorocaba.
Depois desses bravos homens que atravessaram os Campos Gerais, foram chegando os imigrantes bucovinos alemães e eslavos, que com sua perseverança e determinação imprimiram um ritmo de progresso a então Capela de Rio Negro.
Na edificação da Igreja Matriz Senhor Bom Jesus da Coluna ou em outras obras da arquitetura local, como o Seminário Seráfico São Luiz de Tolosa inaugurado em 1923, é deixada transparecer parte da história de Rio Negro; enquanto os costumes e tradições dos antepassados são revividos nas apresentações do Grupo Folclórico Boarischer Wind e na Haluschkifest, a mais marcante festa da comunidade.

O próximo pouso... Campo Tenente
Este antigo pouso de tropeiros, é hoje um expressivo produtor agrícola do Estado. Se caracteriza por ser conservador da cultura e das raízes de seu povo, que em grande parte é descendente de poloneses. O Grupo Folclórico Nieza Pominaika ("Não se esqueça de mim") ajuda a manter viva as tradições e costumes herdados.
Guarda curiosidades como a existência do único mosteiro brasileiro da Ordem Cisterciense Trapista, cujas origens remontam ao século XI, na França.
A vida monástica é dedicada à contemplação, à meditação e aos trabalhos nos pomares, no apiário e na confecção de bolachas de mel, além do delicioso "bolo de frutas dos monges", cuja receita é guardada a sete chaves. A igreja do mosteiro, construção em forma de pirâmide, dedicada a Nossa Senhora do Novo Mundo, constitui-se em verdadeira obra de arte.

O espírito religioso, dos moradores do município, é deixado transparecer também nos cultos da Igreja Matriz de Cristo Rei e da Igreja do Divino, com sua festa popular precedida por novenas em devoção ao Espírito Santo.

O Próximo pouso... Lapa
Cidade relíquia, a Lapa possui lembranças vivas a guardar os fatos da história paranaense, edificando os tempos de glória e a busca da paz. O Monumento ao Tropeiro, painel de Poty Lazzarotto, na entrada da cidade, conta a história do tropeirismo e de seus bravos aventureiros, evidenciando origens e a importância deste movimento.

Com ele nasceu a Lapa da Igreja Matriz de Santo Antônio, do Theatro São João, visitado por Dom Pedro II, da Casa Lacerda, do Santuário de São Benedito e do misticismo da Gruta do Monge, onde busca-se a cura dos males da alma e do corpo.
A legendária Lapa, palco da Revolução Federalista de 1894, heróica e resistente ao cerco que consolidou a república brasileira, é mostrada através do Panteon dos Heróis, do Museu de Armas e do acervo da Casa de Câmara e Cadeia.
A história e a hospitalidade estão presentes no casario, nos monumentos e na tradição do lapeano.

O próximo pouso... Porto Amazonas
Situado no início do trecho navegável do rio Iguaçu, o município nasceu e se desenvolveu sob o ciclo da erva mate, com o Coronel Amazonas de Araújo Marcondes e seu vapor "Cruzeiro", o primeiro barco a atracar à margem do rio, onde se desenvolveria a cidade, que em homenagem ao Coronel, denominou-se Porto Amazonas.
Rio Iguaçu. Ontem e hoje, o rio integra a vida do município, proporcionando recantos belíssimos como o Perau do Corvo, um riacho que se precipita de um paredão de aproximadamente 15 metros de altura, em meio à vegetação nativa, formando um belo conjunto.

Outras atrações são a Igreja do Menino Jesus e a antiga ponte ferroviária, além dos pomares de maça, que hoje são o sustentáculo da economia do município.

O próximo pouso...Palmeira
Era, no princípio, apenas um pouso de tropeiros e viajantes, com feições de lugarejo e desejo de se tornar Vila. Hoje é uma pacata cidade, com tradições históricas, sociais e culturais.
A colônia Witmarsum, marco significativo da imigração européia, é hoje modelo de desenvolvimento agropecuário, adotando o sistema de vida comunitário e terras comunais, com casas e costumes típicos da colonização alemã menonita.

Na Praça do Museu, um dos mais significativos testemunhos da história do município, expostas no seu apelo maior: o Museu Histórico, importante tanto pelo seu acervo, como pelo próprio interesse histórico do prédio, uma vez que o solar pertenceu ao Conselheiro Jesuíno Marcondes de Oliveira e Sá, e em cujos arredores, entravam as tropas pela antiga "Rua do Banhado".

A fé de seu povo é registrada em edificações como a Igreja de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, a Capela de Nossa Senhora das Neves, a Capela do Senhor Bom Jesus e do Santuário do Senhor Bom Jesus do Monte com suas capelinhas de pedra em formato de cruz.

O próximo pouso... Ponta Grossa
Um dos acontecimentos mais importantes da história de Ponta Grossa foi ter se tornado, pela sua localização geográfica, caminho obrigatório e pouso das tropas , que representaram o avanço dos transportes e do comércio no século XVIII.

Espalhada em meio ao verde dos Campos Gerais, apresenta diversas formações de rara beleza e configuração geológica como: os Arenitos, as Furnas e a Lagoa Dourada no Parque Estadual de Vila Velha; o Buraco do Padre, curiosidade do Rio Cerradinho; as corredeiras e o mistério do Rio São Jorge, além do Capão da Onça.

Alagados com sua bonita paisagem, oferecendo opções de natação, iatismo, esqui aquático e pescarias, soma-se à beleza de outro recanto: o do Botuquara, um santuário ecológico com bosques nativos, cascatas e área de lazer.
Através do acervo do Museu dos Campos Gerais, da Capela de Santa Bárbara do Pitangui, o município cultiva seu passado. Seu presente é divulgado no moderno Centro de Eventos Cidade de Ponta Grossa.

O próximo pouso... Castro

Pouso do Iapó... Freguesia de Sant'Ana do Iapó... Vila Nova de Castro... e finalmente Castro.

Da antiga parada de tropeiros à contribuição dos imigrantes holandeses com suas colônias de Castrolanda e Carambeí, além dos alemães, japoneses, poloneses, ucranianos, italianos e árabes, foi um suceder de trabalho, conquistas e progresso.

Parte desta história pode ser revivida na Fazenda Capão Alto, no típico Museu do Tropeiro, na Igreja Matriz de Nossa Senhora de Sant'Ana, cuja primitiva capela foi construída por escravos, em 1704, e no casario antigo, que guarda a memória de outros séculos.

De cima do Morro do Cristo, contempla-se a cidade e o Parque Lacustre com suas garças e biguás.

A natureza é pródiga ainda, nos seus saltos como o da Cotia, das Andorinhas e São João e no Rio Iapó, que depois de fazer a delícia de pescadores e banhistas da Prainha, corre lentamente por entre as paredes de seu canyon - um dos maiores do mundo - o Canyon do Guartelá.

O próximo pouso... Piraí do Sul
Foram os bandeirantes que desbravaram estes sertões e com este avanço abriu-se a histórica estrada por onde, durante séculos, transitavam os comboios de gado rumo as feiras de Sorocaba.

Nos meados do século XIX os moradores, do então Bairro da Lança, erigiram a Capela do Senhor Menino Deus e, em torno do novo templo, foram erguendo casas, que a povoação de Lanças.
Posteriormente a denominação foi alterada para Piraí Mirim e mais tarde Piraí do Sul.

O Santuário de Nossa Senhora das Brotas, local preferido pelos tropeiros como estação de pernoite e repouso, hoje acolhe seus muitos romeiros. Na cidade destacam-se as igrejas do Senhor Menino Deus e de São José Operário, o Colégio Santa Marcelina, uma antiga construção em estilo colonial com grande influência dos imigrantes italianos.

A história cria mistérios em torno da Fazenda das Cavernas na Serra das Furnas, onde existem pinturas rupestres executadas sobre paredes rochosas do arenito Furnas. Figuras geométricas e espécimes da fauna local, executados em coloração vermelha, por povos pré-históricos.

O próximo pouso... Jaguariaíva
Nascida ao longo desse histórico caminho, principalmente por sua condição de ponto de passagem das tropas que transitavam entre o Rio Grande do Sul e São Paulo, Jaguariaíva teve ainda importante participação em momentos históricos do País, como a Revolução de 1930.

O município, considerado a "Capital do Papel Imprensa", possui atrações como o prédio da Prefeitura Municipal, o Santuário do Senhor Bom Jesus da Pedra Fria, além de outras construções de interesse histórico. Mas, a singularidade da região vem da formação topográfica e geológica, responsáveis por inúmeros atrativos naturais do município.

São rios, vales e corredeiras de águas límpidas que convidam a momentos de lazer. Os rios Capivari e Jaguariaíva guardam belezas como o Cachoeirão, o Poço do Inferno com seu impressionante canyon, e o Vale do Codó, viveiro natural de espécimes da animais e vegetais.

A natureza também se faz presente quando o ribeirão Lajeado Grande se precipita formando degraus de cascatas que culminam no Lago Azul.
As chuvas, os ventos e a fé popular esculpiram o Paredão da Santa, um paredão arenítico em que os devotos contemplam a imagem de Nossa Senhora Aparecida.

O próximo pouso... Sangés
As tropas faziam seu último pouso, às margens do Rio Itararé, antes de entrar em território paulista. Assim cresceu o povoado, que herdou hábitos e costumes desta época, principalmente na gastronomia. Mas, por sua formação geológica esta região é pródiga em atrativos naturais.

As áreas de reflorestamento, principalmente de pinus e eucaliptos, evidenciam o clima de montanha e convidam a caminhar por suas diversas trilhas.

As cachoeiras do Corisco, no Rio Capivari, de singular beleza com 98 metros de queda; do Lajeado Grande, que tem aos seus pés uma imensa piscina natural; o Poço do Encanto, o salto do rio Funil ladeado de exuberante vegetação e a Gruta da Barreira, com sua motivação místico-religiosa e natureza pródiga, são alguns dos atrativos ímpares do município.

Aspectos Históricos e Urbanos de Cidades Paranaenses Surgidas a partir do Tropeirismo.

I

Até o momento vários foram os estudiosos que desenvolveram pesquisas relacionadas aos aspectos históricos, sociais e urbanos das cidades surgidas com o tropeirismo. Contudo, os estudos já realizados se direcionam a uma pequena parcela da sociedade campeira paranaense dos séculos XVIII, XIX e parte do XX, privilegiando somente os grandes criadores e comerciantes de gado. E quem mais fez parte desta história? Todos aqueles que direta ou indiretamente trabalharam para que o tropeirismo transforma-se na economia mais importante da região Sul.
Por isso, é necessário ter-mos a preocupação de resgatar e revelar uma história real e mais humana, onde os excluídos também possam ressurgir como seus personagens.

II

Na porção paranaense do Caminho das Tropas encontramos dez cidades, atualmente sedes de municípios, que se formaram no magnífico período do tropeirismo. No sentido Sul/Norte relacionamos Rio Negro, Campo do Tenente, Lapa, Porto Amazonas, Palmeira, Ponta Grossa, Castro, Piraí do Sul, Jaguariaíva e Sengés. Estas cidades nasceram da necessidade comum de se estabelecer, em toda a extensão do caminho, pontos onde os tropeiros pudessem se abrigar e comercializar alguns produtos no final de cada etapa de viagem. O uso constante desses pontos transformaram esses locais em pousos e, esses pousos em pequenos vilarejos onde fixaram um razoável número de pessoas, formando mais tarde, pequenas cidades. Estas cidades juntas com as do litoral constituem o grupo de núcleos populacionais mais antigos do Estado do Paraná.

Hoje, dado a importância histórica, estas cidades servem como suporte para a memória de todos nós paranaenses, pois são referenciais da ocupação do nosso território a partir do século XVI. Dentro de uma visão, mais ampla, também podemos dizer que são monumentos nacionais, pois a somatória de seus edifícios, ruas e a sua população identificam a história desses lugares fazendo o contraponto com outras cidades brasileiras. As dez cidades paranaenses que nasceram em conseqüência da economia tropeira, possuem características semelhantes; todas, porém, mantêm identidade própria.

Com relação ao aspecto urbano é importante ressaltar que o eixo de fixação e expansão destas cidades seguiu o traçado do antigo caminho das tropas, constituindo importante artéria viária. Essas ruas em Ponta Grossa, Lapa e Castro, por exemplos, mantêm duas denominações sempre mantendo a primeva, “Rua das Tropas”, como forma de preservar a história.

III

Por volta de 1820, Saint-Hilaire visitou algumas dessas cidades. Em suas observações e comentários retiramos o seguinte: “... Castro é composta de centenas de casas que se enfileiravam ao longo de três ruas compridas. A população era constituída por alguns comerciantes, prostitutas e alguns artesões. Dentre os últimos, os mais numerosos eram de seleiros, o que não é de admirar numa região onde os homens passam a maior parte do tempo em cima de um cavalo. ... os habitantes de terras vizinhas se dedicavam... à criação de bois e cavalos.”( Saint-Hilaire, 73).

O engenheiro inglês Thomas Bigg-Witter, em suas andanças (1872-75), pela recém criada Província do Paraná, relata que Ponta Grossa e Palmeira “já tinham alcançado certa dignidade” (Bigg-Witter, 315 ), por já possuírem hotéis e outros tipos de comércio. Palmeira, nesta época, tinha mais de 3.000 habitantes e era considerada o centro de um círculo produtor, “possuindo gado e madeira em abundância”( Bigg-Witter, 321).

Estas duas narrativas testemunham que as tropas e o comércio envolvente transformaram a paisagem dos campos no Paraná. Também nos faz compreender que estas cidades não foram feitas somente de cal e pedra mas de personagens reais. A prática social foi um fator preponderante nesta diferenciação.

São vários os elementos com os quais podemos trabalhar, sendo um deles os ofícios de parte da população integrantes dessas vilas. Tomamos como exemplos as prostitutas, os seleiros e os pequenos produtores rurais. Cada qual com suas especificidades prestavam serviços aqueles que trabalhavam diretamente ou não com a lida tropeira. São profissões características de cidades com um certo tom de vanguarda tanto econômico quanto social. Concomitantemente a estas atividades econômicas também existiam outras que supriam necessidades básicas da população que crescia a cada ano. Nos arredores de Castro que já contava com uma população de mais de 5.000 indivíduos, havia uma produção expressiva de arroz, feijão, milho e trigo com o qual se fazia um apreciável e saboroso pão branco (Saint-Hilaire, 75).

A evolução destas cidades e a distribuição urbana são características da ocupação definitiva dos Campos Gerais conseguida, principalmente, através da árdua atividade pastoril.

A lembrança desta ocupação se manteve todos esses anos, através de toda a espécie de documentação produzida ao longo do tempo e, principalmente, da memória dos descendentes desses heróis brasileiros.

Participação especial:
Aimoré Índio do Brasil Arantes

Referências Bibliográficas:

ALBUQUERQUE, Mário M. de. Pelos Caminhos do Sul; história e sociologia do desenvolvimento sulino. Curitiba, Imprensa Oficial, 1978.
BALHANA, Altiva P. Campos Gerais; estruturas agrárias. Curitiba, UFPr, 1968.
BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil meridional. A Província do Paraná - três anos em suas florestas e campos, 1872/1875. Rio de Janeiro, José Olympio, 1974.
CARNEIRO, Newton. Cronistas: viajantes no Paraná ao tempo da independência. Boletim da UFPr, Curitiba, 1972.

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