domingo, 16 de março de 2008

A Exposição que Curitiba Perdeu

A Exposição que Curitiba Perdeu
04/11/2002

Houve tempos, lá pela década de 40, que a Praça Zacarias era o lugar preferido das águas das chuvas. Ali se acumulavam, formando colossal enchente. As águas cobriam tudo com sua cor barrenta, penetrando inexoravelmente em todas as lojas que acercavam a praça. Como se sabe, o rio passa por baixo do calçamento, pois era nesse local que, ao ar livre, que em passado ainda mais longínquo, as lavadeiras vinham enxaguar suas peças, enquanto, lá no alto do morro, levantava suas torres quadradas a antiga igreja matriz.

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Com o progresso continuando veio a canalização do rio e as águas haviam desaparecido do centro da cidade, mas isso só por uns tempos. O prosseguimento incessante dos calçamentos em nossos bairros ia impedindo a absorção das águas das chuvas pelo solo ávido de umidade. E, então as águas passaram a correr aos borbotões, ladeiras abaixo, e iam acumular-se lá adiante no centro da cidade, notadamente na Praça Zacarias. Havia ali o Cine Luz, na esquina em que está hoje a agência de um banco, onde os prevenidos construtores colocaram degraus à porta do edifício, acautelando-se contra a eventual elevação das águas. Mas havia ocasiões em que isso não adiantava. A água subia irreprimível, sobrepassava os degraus e ia escorrer pressunrosa entre os acentos da platéia.

Na esquina com a Desembargador Westphalen, rua na época dotada de frondosas árvores, ficava ema velha casa colonial, bem baixinha e bem horizontal, com muitas janelas arqueadas, com parapeitos à altura dos cotovelos, caixilhos esbranquecidos e seu musguento beiral de enegrecidas telhas goivas. Ali, nessa propriedade Dante Aligueri, onde está hoje importante edifício, funcionava o “atelier” de pintura do grande mestre Guido Viaro. Num amplo salão, onde se erguiam pontiagudos os cavaletes do pintor e de seus alunos, espalhavam-se as telas e pranchetas, as mesinhas com tintas e pincéis, paletas e trabalhos incompletos, os rolos de papel, enfim, a habitual organizada desordem de todos os “ateliers”. Havia também um grande balcão de madeira, onde ficavam os papéis de desenho a utilizar e os materiais que exigiam mais cuidados.

Nessa época o pintor Viaro preparava uma grande exposição de aquarelas, modalidade na qual era um exímio artista. Uma centena de maravilhosas obras, devidamente enquadradas em “passepartouts” de cartolina, era cuidadosamente guardada no referido balcão, à espera da programada mostra.

Mas a praça Zacarias, com suas águas, reservava suas surpresas. Um belo dia – as chuvas vieram e as águas correram céleres pelas sargetas e pelo leito estrangulado do rio. Subiram quase um metro acima do piso da praça, e o mestre Viaro, quando as águas baixaram, viu que seu balcão havia boiado como um barco semi-afundado e as aquarelas, enrugadas e desbotadas, vogaram ainda pelas poças remanescentes.

Curitiba havia perdido uma bela exposição do grande mestre.

Foi aí que Viaro, aceitando o imprevisto sem queixume e talvez tomando-o como sinal dos céus, deixou de pintar aquarelas.
(in memorian) Euro Brandão, engenheiro e professor.

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