quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A metamorfose de Minas

A metamorfose de Minas
16/09/2004
No final do século XVIII e início no século XIX o território da então Capitania de Minas Gerais era quase a metade do que se constituirá a Província (1822-1889) e atual Estado. No dizer de Saint Hilaire era quase como um losango. Resumia-se no espaço delimitado para as atividades mineradoras de ouro e diamante.

Os colonizadores portugueses, com todas as dificuldades, mantiveram a mineração da forma que mais lhes convinham, com a prevalência do arcaismo, enquanto:

a) existiam jazidas superficiais, isto é, depósitos aluvionais recentes, em que os minerais podiam ser extraídos com instrumental e técnicas rudimentares;

b) foi possível manter a repressão para abafar revoltas, motins e resistências contra os privilégios e as injustiças;

c) puderam evitar as mudanças modernizadoras do sistema exploratório que exigiam aplicações de capitais a longo prazo e tecnologia mais apropriada;

d) foi possível nutrir no povo a crença de que os lusitanos eram eleitos por Deus para colonizar, isto é, obrigar o povo a aceitar a sacralidade da colonização.

A administração pombalina (1750-1777) havia preparado a sociedade colonial para mudanças nas estratégias de colonização; as idéias iluministas e as transformações na vida institucional da Europa fizeram aflorar as contradições latentes no âmbito da sociedade mineradora espoliada, que resolveu se rebelar. (1789). Os colonizadores perceberam que não podiam ou não conseguiam mais manter a mineração aurífera. A punição aos inconfidentes com degredos, confinamentos e pena de morte foi aterrorizante, como revela o esquartejamento de Tiradentes. Igualmente rigorosas foram as perseguições sobre os habitantes das cidades auríferas, com prisões, confiscos de bens e humilhações públicas. A partir da Inconfidência Mineira as cidades do ciclo do ouro passaram por um melancólico esvaziamento. Os mineradores, os clérigos e escravos se distanciam das cidades buscando longínquas terras. Por onde chegam os ex-mineradores já transformados em agropecuaristas, vão empurrando as linhas divisórias da Província de Minas. No dizer de Carrato, uma verdadeira diáspora. Os migrantes partiram em massa na busca de novas aventuras, encontrando imensas florestas e terras desabitadas. Às vezes ainda tentavam a mineração de ouro ou de gemas, mas acabavam abrindo currrais, fazendas e pequenos negócios; começam a ereção de capelas, criação de freguesias ou vilas. (CARRATO, J.F. 1968)

Região aurífera. No momento da Inconfidência e logo depois do dia 21 de abril de 1792, os espaços inexplorados nas imediações dos centros auríferos começaram a ser ocupados, atestando isso a criação de novos municípios, como em 1789, Itapecerica; em 1790 Conselheiro Lafaiete; 1791, Barbacena; 1798, Campanha e Paracatu; em 1831, Formiga e Itabirito, 1831; Bonfim e Santa Bárbara, 1839; Conceição do Mato Dentro, 1840; Piranga, e Pium-i, 1841 e Pará de Minas, 1848.

Para o Nordeste, já no século XIX a expansão é mais para os limites extremos da província e para além de suas fronteiras, como o Jequitinhonha que pertencia à Bahia até o final do século XVIII. Dois fatores motivaram as migrações do Losango Aurífero para aquela região: a criação extensiva e exploração das pedras preciosas. Em 1831 foram criados os municípios de Diamantina e de Rio Pardo; em 1840, Grão Mogol; em 1857, Araçuai.

Ao Norte, a margem esquerda do Rio São Francisco que pertencia a Pernambuco, é transferida para Minas em 1824. Desde o final do século XVIII vinha recebendo migrantes mineiros dedicados à criação de gado bovino, contribuindo para a ocupação também da margem direita. Em 1831 são criados os municípios de Montes Claros, Curvelo e São Romão e em 1833, Januária.

Para o Leste os mineiros empurram a divisa com o Espírito Santo para a Serra dos Aimorés, até 1800 quando foi estabelecida oficialmente a fronteira, em permanentes confrontos com os índios da Zona da Mata. Em 1831 é criado o município de Rio Pomba, em 1839, Rio Branco; 1841, Piranga; em 1850, Juiz de fora; em 185l, Mar de Espanha; em 1853, Ubá; 1854, Leopoldina; 1855, Muriaé; 1857, Ponte Nova; 1875, Peçanha, Cataguazes; 1877, Manhuaçu; 1878, Carangola; 1879 Caratinga; 1889, Santos Dumont.

Para o Sul, em direção a São Paulo, cujos limites são traçados desde 1720, as migrações foram mais aceleradas com a criação intensiva e fazendas de policultura. Surgem os municípios de Baependi e Jacui, em 1814; Lavras e Pouso Alegre, em 1831; Aiuruoca em 1834; Oliveira em 1839; Três Pontas, em 1841; São João Nepomuceno, em 1841; Campo Belo em 1848; São Sebastião do Paraíso, em 1870; São Gonçalo do Sapucaí e Poços de Caldas, em 1888.

O Triângulo Mineiro que pertencia a Goiás, em face do grande número de migrantes da região aurífera, forçou sua passagem para Minas Gerais em 18l6. Em 1831 cria o município de Araxá; em 1836, Uberaba; em 1840 Patrocínio; em 1856, Estrela do Sul e em 1866, Patos de Minas.

Ruralização As três primeiras décadas do século XIX foram de transformações radicais para Minas. Passou da condição de centros urbanos para pequenas vilas, isto é, a ruralização da sociedade com reflexos imediatos na cultura e na política. Basta dizer que de 1801 a 1830 foram criados apenas dois municípios em Minas (Baependi e Jacui). Nesse período os viajantes estrangeiros observam o melancólico esvaziamento das cidades do ouro. Saint Hilaire diz que era fácil encontrar pessoas maltrapilhas e esfarrapadas em tais cidades. (SAINT HILAIRE, A 1938). Spix e Martius passando pela Comarca do Rio das Mortes, observavam que por lá reinavam a ruína e a selvageria e que até as estradas morriam abandonadas. (SPIX, J.B & MARTIUS, K F P von, 1938) O comerciante inglês John Mawe descreve um quadro sombrio sobre Serro, Conceição do Mato Dentro e Itambé. (MAWE, J. 1944)

Por muito tempo Minas continua sendo a província mais populosa do País, mas o eixo histórico se desloca para o Rio de Janeiro. A Inconfidência que havia virado Minas de ponta-cabeça permaneceu oculta para os políticos e historiadores até a deflagração do Movimento Republicano, no final do século XIX.

Ecletismo

Durante o período colonial o embate das idéias iluministas com as provindas do Barroco, com seu dogmatismo fechado, rígido, conservador e absolutista, impedia qualquer forma de livre pensar, de livre expressão. Sabemos que a penas de degredo imposta aos inconfidentes foi em função de suas idéias iluministas. Qualquer princípio científico ou tecnológico avançado metia medo aos portugueses. Admitia-se somente uma espécie de empirismo mitigado, suave, que não oferecesse perigo à ideologia dominante. O mineralogista Dr. José de Sá Bitencourt e Acioli, implicado na Inconfidência Mineira, irmão do Intendente Câmara, teve seus projetos rechaçados pela política de Lisboa, com imensos prejuízos tanto para os portugueses como para o Brasil. Porque foi capaz de fundir o ferro, de modo não oficial e por sua própria conta, teve que se refugiar na Bahia até que amenizassem as perseguições à sua pessoa. (RAPM, 1909 p 475) No lugar desse inútil empirismo mitigado entra o Ecletismo francês, nas idéias de Vitor Cousin (1792/1824) em face de conciliar sistematicamente posições diversas, ao invés das divergências radicais entre Iluminismo e Catolicismo. Para ele, toda filosofia contém alguma verdade. O pensamento de Cousin atenua o radicalismo da ideologia barroca em Minas e prepara o campo para o Romantismo e para o Positivismo.

O mais importante mentor do Ecletismo em Minas foi Dom João Antonio dos Santos (1818-1905) bispo de Diamantina.(RODRIGUES, J.C. 1966) O Ecletismo marca Minas Gerais de forma a confundir-se com a própria personalidade do mineiro: 1) na Estética, conciliando na mesma edificação, diversos estilos arquitetônicos e decorativos; conciliando lirismo e realismo na literatura tanto na prosa quanto na poesia; coexistência da música marcial heróica com a música romântica dos coretos e dos saraus. 2) Na Política, o mineiro ganhou fama de conciliador. O Ecletismo se manifesta de forma até pitoresca, presente no anedotário popular e na História do País. 3) Na Economia, especialmente na agricultura, o mineiro nunca preferiu a monocultura nem da cama de açúcar, nem o do café, nem do algodão e nem da soja agora. A pecuária de Minas é diversificada. Entre os mais de 20 milhões de cabeça de gado bovino do Estado incluem-se as mais variadas raças e formas de criação. 4) Sua população faz divisa com sete unidades da Federação; de variadíssima cultura, sotaques, forma de viver, de trabalhar e de se divertir. A eclética Belo Horizonte é a cidade que opera a proeza de reunir toda essa população e gestar toda essa diversidade de forma relativamente harmoniosa.

CARRATO, José Ferreira. Igreja, Iluminismo e escolas mineiras coloniais. São Paulo: Nacional, 1968.

MAWE, John. Viagem ao interior do Brasil. Rio de Janeiro: Zélio Valente, 1944.

Revista do Arquivo Público Mineiro.. Belo Horizonte, APM, ano XIV, 1909.

RODRIGUES, José Carlos. Idéias filosóficas e políticas em Minas Gerais no séc. XIX. Belo Horizonte, Itatiaia, 1986.

SAINT HILAIRE, Auguste. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. São Paulo: Nacional, 1938.

SPIX, J. B. e MARTIUS, K. F. P von. Viagem pelo Brasil.. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938.

Indicamos: Almir Wildhagen As Minas Gerais - Antonio de Paiva MOURA

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